terça-feira, 28 de outubro de 2014

Analise do poema "E há poetas que são artistas"

Há Poetas que são Artistas

  E há poetas que são artistas

     E trabalham nos seus versos
     Como um carpinteiro nas tábuas! ...     
Que triste não saber florir!
     Ter que pôr verso sobre verso, corno quem constrói um muro
     E ver se está bem, e tirar se não está! ...
     Quando a única casa artística é a Terra toda
     Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.
    
 Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira,
     E olho para as flores e sorrio...
     Não sei se elas me compreendem
     Nem sei eu as compreendo a elas,
     Mas sei que a verdade está nelas e em mim
     E na nossa comum divindade
     De nos deixarmos ir e viver pela Terra
     E levar ao solo pelas Estações contentes
     E deixar que o vento cante para adormecermos
     E não termos sonhos no nosso sono.
Alberto Caeiro,  "O Guardador de Rebanhos - Poema XXXVI" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

ANALISE DO POEMA:

Neste poema, cujo tema é a reflexão sobre o processo de criação poética e a sua relação com a Natureza, Caeiro reflete sobre poesia, contrapondo duas conceções.
           Os poetas que designa, ironicamente, por artistas, que a veem como um trabalho, uma construção, que constroem os seus poemas verso a verso, que valorizam o lado artificial ou mecânico do ato de criação: “trabalham nos seus versos / Como um carpinteiro nas tábuas” (comparação); “pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro / E ver se está bem, e tirar se não está!” (comparação e exclamação). Estas comparações com um carpinteiro e com os pedreiros servem para destacar o trabalho formal, minucioso e exigente, dos poetas que se dedicam a essa poesia elaborada e produzida como outras construções humanas. Dito de outra forma, expressam a preocupação desses poetas com a seleção das palavras, da combinação de rimas / sonoridades, de arranjos estilísticos, de ritmos poéticos, de dimensionamento dos versos, etc., ou seja, uma noção de poesia que exige trabalho de dimensionamento, equilíbrio, polimento e construção dos versos, pensando muito a experiência. No fundo, Caeiro está a criticar todos aqueles que não conseguem ser espontâneos (verso 4) no ato de criação poética, facto que o leva a manifestar estranheza e a sentir pena deles, antes a encaram como um trabalho árduo de intelectualização.

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