quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Paralelismo entre o tempo da historia e o da escrita


Humberto Delgado



Humberto da Silva Delgado nasceu em 1906 em Torres Novas. A sua educação passou pela frequência do Colégio Militar, tendo terminado os seus estudos em 1922.
Participou activamente no movimento militar de 28 de Maio de 1926, que conduziu mais tarde ao Estado Novo. Anos depois rompeu relações com o regime de Salazar, apresentando-se em 1958 como candidato à Presidência da República, tendo como opositor Américo Thomaz. Após uma campanha eleitoral activa, onde conquistou o apoio popular, acabou por ser derrotado, apesar de tanto ele como a oposição em geral nunca terem aceite os resultados.
O "General Sem Medo", como ficou celebrizado, teve de se exilar (primeiro no Brasil, depois na Argélia), nunca tendo no entanto deixado de dirigir acções contra o regime.
Foi assassinado a tiro em 1965, perto de Badajoz, por um membro da PIDE, apesar de o regime nunca ter assumido oficialmente as responsabilidades. Contudo, a sua luta não foi em vão: a opinião pública que o apoiava tornou-se num grave problema para a política de Salazar.

Elementos Simbólicos de "Felizmente há Luar!"




    • O verde da saia que a viúva leva para a execução de seu marido associa-se à felicidade e foi comprada numa terra de liberdade: Paris. A saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à esperança de que um dia se reponha a justiça. O verde é a cor predominante na natureza e dos campos na Primavera, associando-se à força, à fertilidade e à esperança.






    • A luz surge como metáfora do conhecimento dos valores do futuro (igualdade, fraternidade e liberdade), que possibilita o progresso do mundo, vencendo a escuridão da noite (opressão, falta de liberdade e de esclarecimento), advém quer da fogueira quer do luar. Ambas são a certeza de que o bem e a justiça triunfarão, não obstante todo o sofrimento inerente a eles. A luz representa a esperança num momento trágico. 
     
     


    • Na obra há inúmeras referências à noite: “Ontem à noite entraram mais de dez pessoas na casa de…”; Mas como, Matilde, como é que se pode lutar contra a noite?”. De fato, é durante a noite e madrugada que se efetuam as prisões e as execuções prolongam-se pela noite. A noite simboliza a escuridão, a morte, a tristeza.
     
     
     


    • Moedas de cinco reis- Símbolo de resrespeito que os mais poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus

     


    • Os tambores representam, em Felizmente há luar! a opressão, o medo, que existia nesse tempo quando chegava a polícia.
     
     

    Felizmente há Luar - Espaço e Tempo

    ESPAÇO

    Espaço cénico

    -          O espaço cénico contribui para a construção de sentidos da obra, expondo a dimensão ideológica da mesma. Os sons, os jogos de luz/sombra, os objectos decorativos e a posição das personagens em palco são os elementos a destacar.

    -          Manuel, situado num espaço cénico dominado pela escuridão, é subitamente exposto à luz, ocupando um lugar à frente do palco. O carácter simbólico da sua presença é posto em evidência através dos seguintes aspectos:

    ·         Manuel, enquanto símbolo do povo oprimido, traduz a estagnação de um país, a impossibilidade de mudança, pela repressão imposta pelo Poder, através da sua pergunta absurda, do gesto de impotência e dos trajes andrajosos que veste;

    ·         A escuridão que rodeia a personagem sugere o abismo que a engole, enquanto representação da miséria, da ignorância e da opressão;

    ·         A nível da movimentação, a impossibilidade de continuar, por parte da personagem («detém-se»), indicia a perda irremediável do general Gomes Freire e, em consequência, a perda da esperança.

    Espaço físico

    -          Lisboa surge como um macroespaço, onde se inscrevem espaços de dimensão mais reduzida:

    ·         Ruas – local onde os populares mendigam e comentam os acontecimentos, embora sempre intimidados pela presença da polícia
    ·         Rossio – sede da Regência
    ·         Rato – casa do general
    ·         Sé – local onde Manuel costuma pedir esmola
    ·         Campo de Sant’Ana – local das execuções (posteriormente será designado por Campo dos Mártires da Pátria)
    ·         Serra de Santo António – local de onde Matilde assiste à execução do marido
    ·         S. Julião da Barra – local onde Gomes Freire é preso e sentenciado


    Espaço social

    Classes sociais: Povo / Poderosos

    -          O povo é caracterizado pela sua pobreza, doença e miséria: o vestuário andrajoso, os sacos e caixotes que servem de acomodações, o contínuo mendigar.

    -          Os poderosos, pelo contrário, surgem representados na sua riqueza ostensiva e arrogante (guarda-roupa cuidado, cadeiras como «tronos»).

    Conflitos políticos / sociais

    -          No período posterior às Invasões Francesas e à partida da corte para o Brasil, o reino vive uma conjuntura política e social marcada pela crise e pela luta entre um poder repressivo e a aspiração da liberdade que conduzirá à revolução liberal:

    ·         O Conselho de Regência, que integrava oficiais ingleses e membros do clero, mantém uma política de tirania, repressão e perseguição de todos os que se insurgissem contra o poder oficial.

    ·         A atitude persecutória dos governadores é particularmente evidente na condenação e proibição das sociedades maçónicas e qualquer tipo de associação.

    ·         O povo, descontente, votado à miséria e ao silêncio, mas desejoso de liberdade, confere ao general Gomes Freire o estatuto de herói, já que representa a única esperança de revolta contra a opressão.

    Valores sociais em crise

    -          A impotência do povo contra o despotismo

    ·        Manuel, o homem do povo, reflecte a sua incapacidade para resistir ao sistema, através da interrogação que abre os dois actos («Que posso eu fazer?», 15).

    -          A recusa do progresso e da cultura

    ·        O Principal Sousa clarifica as directrizes de um regime absolutista, em que cultura é sinónimo de poder e, por isso, deve ser mantida inacessível às massas populares («...a sabedoria é tão perigosa como a ignorância! (...) Sei bem como a palavra “liberdade”, na boca dos demagogos, se torna aliciante ...» 36; «Por essas aldeias fora é cada vez maior o número dos que só pensam aprender a ler... Dizem-me que se fala abertamente em guilhotinas e que o povo canta pelas ruas canções subversivas.» 40).

    -          A corrupção, a imoralidade e a injustiça dos políticos

    ·        D. Miguel põe em destaque a corrupção que garante a autoridade do Poder («A questão que temos de resolver (...) Consiste apenas em chegarmos a acordo acerca da pessoa que mais nos convém que tenha sido o chefe a conjura.» 61), deixando também evidente que são os caprichos pessoais que motivam a actuação política, ao serviço de interesses que se sobrepõem à verdade e à justiça («Para o público não compreender o que se passa, o julgamento será secreto, e para evitar o perdão de el-rei, a execução seguir-se-á imediatamente à sentença.» 65).

    -          A ambição mesquinha e a conspiração

    ·        Beresford mantém-se atento à defesa dos interesses do reino («Neste país de intrigas e de traições, só se entendem uns com os outros para destruir um inimigo comum...» 63), mas apenas por interesses materiais, não escondendo o seu desprezo pelo país onde trabalha, já que «reduz os presentes, a cidade e o país a uma insignificância provinciana e total» («Pretendo uma única coisa de vós: que me pagueis – e bem!» 58)

    -          A traição, a conspiração generalizada

    ·        A corrupção material e moral parece atingir todas as classes sociais, como se depreende da traição de Vicente e de Andrade Corvo e Morais Sarmento («Se eu souber render o peixe, sou capaz de acabar com uma capela... ou chefe de polícia, quem sabe?» 31; «Meu amigo: você desconhece o que se compra de respeitabilidade com uma pensão anual de 800$00...» 47).

    -          A condenação dos ideais maçónicos

    ·        O ataque à Maçonaria, que para os governadores era sinal de agitação e revolução, surge identificado na intervenção de D. Miguel («...aí tendes o chefe da revolta. Notai que lhe não falta nada: é lúcido, é inteligente, é idolatrado pelo povo, é um soldado brilhante, é grão-mestre da Maçonaria e é, senhores, um estrangeirado...» 71) e do Principal Sousa («Os piores, Srs. Governantes, são os pedreiros-livres... Ninguém mais do que eles contribui para o alastramento da gangrena. Quem será o chefe da Maçonaria?» 67).

    -          Os caprichos pessoais dos poderosos contra a vontade do povo

    ·        Os interesses de Estado não são os interesses do povo, mas das classes privilegiadas («Pergunto-vos, senhores: que crédito, que honras, que posições seriam as nossas, se ao povo fosse dado a escolher os seus chefes?» 69), movidas pelas vinganças pessoais e pela ambição («Se eu fosse a falar do ódio que lhe tenho...»; «Agora me lembro de que há anos, em campo d’ Ourique, Gomes Freire prejudicou muito a meu irmão Rodrigo!» 72).

    ·        Matilde, a voz da indignação e do inconformismo, expõe de forma clara a podridão de uma sociedade corrupta e mesquinha («Ensina-se-lhes que sejam valentes, para um dia virem a ser julgados por covardes...»; «Não seria mais humano, mais honesto, ensiná-los, de pequeninos, a viverem em paz com a hipocrisia do mundo?» 83;«...rodeada de inimigos numa terra hostil a tudo o que é grande, numa onde só cortam as árvores para que não façam sombra aos arbustos...» 85).

    Espaço psicológico

    -          As recordações de Matilde de uma felicidade passada ao lado de Gomes Freire remetem para o carácter redentor e purificador do amor, em contraste com a violência e a hipocrisia da sociedade (90-92).


    TEMPO

    Tempo histórico

    -          Século XIX – período posterior às Invasões Francesas, que antecede as primeiras manifestações de revolta popular, que conduzirá à Revolução Liberal.

    -          Século XX – regime ditatorial do Estado Novo, representado por Oliveira Salazar.

    Tempo dramático

    -          0s acontecimentos dramáticos remetem para a referência a factos ocorridos alguns anos antes:

    ·         Manuel relembra as Invasões Francesas e a presença dos ingleses no governo (16)
    ·         Vicente recorda a partida do rei para o Brasil (27)
    ·         O antigo Soldado refere as batalhas ocorridas há dez anos (18)
    ·         Matilde recorda a sua vida com o general e as batalhas em que participou pela Europa (90)

    -          As referências temporais situam em dois dias os acontecimentos mais dramáticos da obra, embora historicamente tudo se tenha passado em cinco meses (Maio/Outubro). A redução temporal traduz simbolicamente a parcialidade da justiça da época, que condena sem provas, e contribui para a intensidade trágica da morte do general.

    -          O Acto I tem início de madrugada e prolonga-se por dois dias:

    ·         «Eram quase cinco horas...» (17)
    ·         «Há dois dias...» (50)
    ·         «Há dois dias que quase não durmo...» (68)

    -          O Acto II começa na manhã do dia em que prenderam Gomes Freire e prolonga-se por seis dias:

    ·         «Passaram toda a noite a prender gente...» (80)
    ·         «Vem aí a madrugada...» (108)
    ·         «Ah! Senhora, se o general estivesse esta noite aqui... » (108)
    ·         «Amanhã, quando começarem a agradecer a Deus a prisão do general...» (109)
    ·         «Depois de amanhã, senhora...» (109)
    ·         «Esta madrugada prenderam Gomes Freire...» (79)
    ·         «Desde aquela noite que só penso em si.» (104)
    ·         «Só ao fim de seis dias lhe abonaram dinheiro para comer...» (111)
    ·         «Há quatro dias que me não deito...» (130)
    ·         «...hoje, 18 de Outubro de 1817.» (129)


    No Acto I, os acontecimentos precipitam-se até à prisão do general, embora no Acto II o tempo flua lentamente, o que intensifica o dramático sofrimento de Matilde, que

    António de Oliveira Salazar

    Político português, filho de António Oliveira e Maria do Resgate, António de Oliveira Salazar nasceu a 28 de abril de 1889, no Vimieiro, uma pequena aldeia de Santa Comba Dão. De família de pequenos proprietários agrícolas, as primeiras letras aprendeu-as em lições particulares, pois não existia escola na pequena aldeia onde nasceu, e, como muitos jovens da sua idade e condição social, fez a formação académica em ambiente fortemente marcado pelo Catolicismo, tendo frequentado durante oito anos, o Seminário Diocesano de Viseu. Tendo desistido definitivamente da vida eclesiástica, embora a influência religiosa assim adquirida na juventude nunca mais o tenha abandonado, Salazar matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde teve como colega e grande amigo um sacerdote que viria a ser Cardeal Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira. É nessa altura que se instala a República em Portugal. Estamos no ano de 1910. Ora, como se sabe, os republicanos perseguiram ferozmente o clero, tendo promulgado um conjunto de leis anticlericais que levou ao rompimento das relações de Portugal com a Santa Sé. Por outro lado, durante a República, verificaram-se sucessivas greves, golpes e contragolpes de Estado. Finalmente, em 1917, a entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial veio agravar ainda mais a situação dos Portugueses e as finanças do Estado. Este ambiente político, económico e social conduziu ao crescimento de uma: "Só a ditadura nos pode salvar". 
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    Titulo da Obra "Felizmente ao luar"


    O título é o primeiro contacto que o leitor tem com a obra. Este pode, de imediato, dar pistas para a leitura da obra ou ser de tal forma hermética que não é possível descodificar numa primeira leitura de superfície.Felizmente Há Luar! é um título verbal e sendo uma frase exclamativa remete para a possibilidade de ter sido pronunciada por alguém e de fazer parte do todo que é a obra. Resta, contudo, a dúvida: quem a pronunciou, quando e em que contexto?
    Através da leitura do texto de Raul Brandão, Vida e morte de Gomes Freire, verifica-se que este título comporta consigo verdade histórica pois está presente num documento escrito por D. Miguel Forjaz ao Intendente Geral da Polícia, no dia 18 de Outubro de 1817, como abaixo se transcreve:

    "É verdade que a execução se prolongará pela noite mas felizmente há luar e parece-me tudo tão sossegado que espero não cause isso prejuízo algum."

    Sttau Monteiro tranformou esta afirmação em exclamação e colocou-a como título da sua peça. Deturpou a História? Não, pois com a leitura da mesma verifica-se que é na boca de quem realmente as pronunciou que estas palavras aparecem pela primeira vez:

    "D. Miguel - É verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar..."

    Já no final da peça esta expressão é colocada na boca de Matilde. Agora, porém, aparece reforçada pela repetição do advérbio de modo e pelo tom exclamativo conferido pela pontuação:

    "Matilde: - Felizmente - felizmente há luar!"

    Desta vez, não se trata de uma verdade histórica, pois não consta que Matilde tivesse pronunciado tais palavras. São, contudo, estas que vão ser recuperadas pelo autor para dar título à obra. Com que intenção o terá feito?
    Apesar de idênticas, proferidas por personagens de universos distintos, veiculam mensagens diferentes. Na voz de D. Miguel pretendem funcionar como um aviso a todos aqueles que ousam desacatar a ordem. Na voz de Matilde são um grito de esperança para que o povo continue a lutar contra as injustiças de que é alvo.
    O facto de Sttau Monteiro ter colocado esta expressão no final da peça não se deve ao acaso. Com isso pretende não só transmitir uma mensagem de esperança como também confere uma certa circularidade à obra.
    A morte de Gomes Freire não é um fim mas o início de uma nova era.

    terça-feira, 13 de janeiro de 2015

    O estado novo e a censura



    A censura é um instrumento usado por regimes totalitários para impedir que a imprensa e outros meios de difusão de mensagens, incluindo as criativas, como as da arte (pintura, escultura, música, teatro, cinema...) possam pôr em causa a ideologia vigente e fomentar a consciencialização para qualquer revolta contra o regime. 
    A censura fez parte integrante da nossa História, imperou em muitos períodos, constituiu uma arma de defesa da Igreja e do Estado. 
    Em junho de 1926, na sequência do golpe militar de 28 de maio, é instituído um regime de censura prévia. Em 1933, a censura é legalmente instituída através da Constituição e do decreto-lei nº22469. Mais tarde, a Lei nº150/72 prevê que os artigos para publicação tenham uma das seguintes anotações: "autorizado", "autorizado com cortes", "suspenso", "demorado", ou "proibido".
    Durante o Estado Novo, a censura esteve sempre activíssima em todas as vertentes culturais. Na imprensa periódica (onde ficou conhecida por "lápis azul") suprimia, alterava, cortava palavras, expressões ou parágrafos inteiros, adiava ou impedia a saída de notícias…
    A Comissão do Livro Negro do Fascismo afirmou, em 1984, que durante o regime Salazar/Caetano foram proibidas cerca de 3300 obras.
    Escondidos e vendidos apenas a clientes de confiança, em determinadas livrarias era possível adquirir os livros proibidos, numa espécie de jogo do polícia e ladrão. 
    A luta contra a censura foi feita através da Imprensa escrita, em suplementos literários ou juvenis, nas tertúlias, na imprensa clandestina… mas só a Revolução de abril de 1974 pôs fim à censura em Portugal.

    quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

    Gomes Freire de Andrade

    General português nascido em 1757, em Viena, e falecido em 1817. Seguiu a vida militar depois de ter vindo para Portugal aos 24 anos. Combateu em Argel (1784), na Rússia (1788), na Guerra do Russilhão (1790), na Guerra das Laranjas (1801) e na Guerra Peninsular, só deixando a carreira das armas após a derrota de Napoleão em 1814. Ligado aos ideais progressistas e membro da Maçonaria, foi acusado de participar na conspiração de 1817, o que lhe valeu a prisão e a forca nesse mesmo ano. Surge como personagem na peça de Luís de Sttau Monteiro Felizmente há Luar (1961).

    Cardeal Cerejeira



    Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1976), sacerdote e docente universitário, terminou a sua formação académica em Coimbra em plena República (1916), da qual era adversário implacável dado o peso que nela tinham, a seu ver, a Maçonaria e o anticlericalismo. Enveredará, por esse motivo, pela ação política de contestação ao poder republicano, para o que reanima o Centro Académico de Democracia Cristã, onde encontra como colaborador Oliveira Salazar, ao mesmo tempo que, na imprensa católica, defende as suas opiniões antirrepublicanas. Parte da sua obra historiográfica é igualmente imbuída de um espírito de cruzada ideológica: contrariando teses positivistas e racionalistas caras aos republicanos, defende (entre outras) a tese de que a civilização ocidental tudo deve ao Cristianismo e procura dissociar a Inquisição da histórica decadência nacional. Instituído o Estado Novo sob a direção do seu amigo, colega e correligionário António de Oliveira Salazar, o sacerdote, que entretanto ascende a Cardeal Patriarca de Lisboa (1929) é um dos artífices da longa aproximação e colaboração entre a Igreja e o Estado, lutando para recuperar o espaço de manobra perdido pela instituição religiosa durante o período republicano e para inverter a tendência para a fuga de devoção criada pelo anticlericalismo militante republicano. Será também Cerejeira o interlocutor privilegiado entre o Governo de Portugal e a Santa Sé quando esta manifesta afastamento em relação a teses oficiais portuguesas em política colonial, particularmente quando o Papa recebe em audiência representantes de movimentos da guerrilha guineense, angolana e moçambicana.

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    Corte Portuguesa no Brasil

    A Corte Portuguesa permaneceu no Brasil de 1808 a 1821. A entrada das tropas napoleónicas em Portugal, a 27 de novembro de 1807 levavam à saída do regente, D. João VI, sua mãe, a rainha D. Maria I, os seus familiares e cortesãos para o Brasil. Eram cerca de 15 000 pessoas as que se acomodaram em 34 embarcações de diversos calados e mais uma para os mantimentos. Com o apoio da esquadra inglesa, os navios com a Corte portuguesa chegaram à Baía a 7 de março de 1808.
    Dois meses mais tarde, o governo instala-se na cidade do Rio de Janeiro, que no começo do século XIX tinha uma população de cerca de 60 000 habitantes, dos quais 40 000 eram negros. Segundo testemunhos da época, a cidade impressionava pela sua beleza natural mas a falta de infraestruturas urbanísticas básicas, como fossas sépticas, tornavam a vida no mínimo difícil. O regente, a rainha e os seus familiares ficaram instalados na residência do Governador, na Quinta da Boa-Vista, que tinha sido erguida a meio do século XVIII pelo Conde de Bobadela. No Convento do Carmo e na Cadeia Velha foram instalados os criados. Os demais cortesãos ficaram instalados nas melhores casas da cidade requisitadas para o efeito. As hostilidades mais ou menos veladas estalaram de imediato entre os recém-chegados, entre os quais se contava a fina-flor da aristocracia portuguesa e os residentes. Os primeiros tinham deixado tudo para trás, exceto a roupa que vestiam na altura da fuga, mas cheios de pergaminhos desprezavam os portugueses residentes, como os senhores de engenho, os mercadores e profissionais liberais. Os portugueses residentes no Brasil possuíam grandes fortunas feitas às custas da colónia, mas faltava-lhes os títulos e as distinções para adquirirem o prestígio social que tanto almejavam. Com a chegada do rei ao Brasil estavam decididos a comprar as mercês, comendas e títulos que as suas fortunas permitiam. D. João VI não se fazia rogado a estas pretensões, pois a concessão de benesses a troco de dinheiro representava a principal fonte de rendimento para custear as avultadas despesas da família real e respetiva corte. 



    D. Miguel Pereira Forjaz



    Militar português, 9.º Conde da Feira, nascido a 1 de novembro de 1769 e falecido a 6 de novembro de 1827, entrou para o exército em 1785, como cadete no Regimento de Peniche. Promovido a alferes em 1787, a capitão em 1791 e a major em 1793, tornou-se ajudante de ordens do general Forbes, combatendo no Rossilhão e na Catalunha. Em 1800, foi nomeado governador e capitão-general do Pará, Brasil, (para onde não chegou a partir). Em 1808 foi promovido a marechal de campo e em 1812 a tenente general.
    Apoiou Beresford na reorganização do exército português, embora assumindo posições cada vez mais críticas sobre a influência do general britânico.
    Com a revolução de 1820, abandonou o seu lugar na Regência, mas recebeu o título de conde da Feira.


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    Gomes Freire de Andrade

    General português nascido em 1757, em Viena, e falecido em 1817. Seguiu a vida militar depois de ter vindo para Portugal aos 24 anos. Combateu em Argel (1784), na Rússia (1788), na Guerra do Rossilhão (1790), na Guerra das Laranjas (1801) e na Guerra Peninsular, só deixando a carreira das armas após a derrota de Napoleão em 1814. Ligado aos ideais progressistas e membro da Maçonaria, foi acusado de participar na conspiração de 1817, o que lhe valeu a prisão e a forca nesse mesmo ano. Surge como personagem na peça de Luís de Sttau Monteiro Felizmente há Luar (1961).

    CONSPIRAÇÃO DE 1817

    Esta conspiração está presente no livro Felizmente há luar de Luís Sttau Monteiro.A história deste livro divide-se em 2 tempos: tempo de escrita ano de 1961,e tempo de história séc.XIX (1817), tempo em que se começa a notar a imposição do regime liberal,ou seja, defende a liberdade indiviadual mediante o exemplo dos direitos e da lei. Vamosentão concentrar-nos neste.A figura central desta conspiração foi o General Gomes Freire de Andrade que comodiz o próprio livro: que está sempre presente embora nunca apareça.Gomes Freire era amado por uns e odiado por outros, é acusado de chefe da revolta,de estrangeirado (pois serviu entre 1807 e 1814 o País que tinha ocupado o seu, a França), ogrão-mestre da Maçonaria e por ser um soldado brilhante e idolatrado pelo povo.Agora o que foi a conspiração de 1817?General Gomes Freire era como a figura de referência para fortalecer o movimento.A Viscondessa de Juromenha tornou-se a principal figura no ajuste da conspiração, aocontrário do que os liberais pretendiam. Entretanto na tentativa de aliciarem gente, osconjurados (ou seja, conspiradores) aumentavam em muito a força do seu movimento, e oreduzido número de conjurados, a ligeireza com que muitos se conduziram e a sua poucaimplantação fora do exército fizeram com que rapidamente se soubesse da conspiração.Muitos dos conjurados eram apenas agentes provocadores que mantinhaminformada D.Maria da Luz, a Viscondessa de Juromenha, e também, o Marechal Beresford(que era um militar britânico e dpois passou a marechal-general do exército Português).O Marechal Beresford estava de partida para o Rio de Janeiro, pois D.João VI tinhaacabado de ser aclamado Rei, onde ia tentar conseguir apoio do Rei na sua luta contra aregência. Enquanto o Marechal viajava, deixou agentes incumbidos de agirem, e fazeremuma lista exaustiva dos conjuntos e tipos de adesão e das suas intenções ao movimento.Beresford convocou algumas personalidades de confiança, entre eles o Visconde deSantarém, a quem foram apresentados os documentos que tinham sido associados àconspiração. A decisão foi de apresentar a documentação à regência, o que ocorreu em 23 de Maio de 1817. A regência imediatamente se assegurou da posição do exército e do apoiodo general Paula Leite, encarregue do governo das armas da corte e província daEstremadura, emitiu ordens de prisão contra Gomes Freire e diversos oficiais civis.Gomes Freire de Andrade, ao notar a movimentação das tropas, os ruídos das armase das patas dos cavalos, pensou tratar-se da revolução em marcha, fardou-se, esmaltou opeito e esperou, a sua porta foi arrombada, a casa invadida pela tropa e com uma ordem deprisão.Alguns dos conjurados passaram a delatores e como o maior alvo era Gomes Freirede Andrade, as testemunhas serviram para o tornar o grande culpado. Nunca se soube aocerto o real envolvimento do Gomes Freire na conspiração, como também não se conhecemexactamente os objectivos dos conspirados, se é que havia um objectivo comum.Gomes Freire foi condenado à morte com baraço e pregão e executado em S.Julião da Barra, a 18 de Outubro de 1817, os restantes 11 foram executados no Campo deSantana, hoje Campo dos Mártires da Pátria.A lentidão do suplicio, e o ter-se prolongado pela noite, deu origem à frase Felizmente há luar de Miguel Pereira Forjaz

    William Carr Beresford



    General inglês, William Carr Beresford, nascido em 1768 e falecido em 1854, foi um militar severo e disciplinador, enviado pela Grã-Bretanha para reorganizar o exército português (após a primeira invasão francesa), preparando-o para resistir às tropas napoleónicas. Anteriormente, tinha sido governador e comandante-chefe, durante seis meses, na Madeira, para evitar a ocupação da ilha pelos franceses. 
    A 7 de março de 1809, foi nomeado generalíssimo do exército português e foi consolidando e aumentando os seus poderes. Rejeitava as novas ideias liberais, imaginava conspirações e reprimia-as severamente; para além disso, enquanto submetia o país a uma forte organização militar, ia colocando os oficiais britânicos nos mais altos postos, preterindo os oficiais portugueses; criou, pois, muitos inimigos.
    Em 1817, após rumores de uma conspiração que pretendia o regresso do rei e que se manifestava contrária à presença inglesa, mandou matar os conspiradores (entre eles o general Gomes Freire de Andrade).
    Em 1820, deslocou-se, pela segunda vez, ao Brasil para pedir mais poder a D. João VI; ao regressar, como marechal-general do exército português, já a revolução liberal (24 de agosto de 1820) estava nas ruas e foi obrigado a regressar diretamente para Inglaterra.

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