ESPAÇO
Espaço cénico
- O espaço cénico contribui para a
construção de sentidos da obra, expondo a dimensão ideológica da mesma. Os
sons, os jogos de luz/sombra, os objectos decorativos e a posição das
personagens em palco são os elementos a destacar.
- Manuel, situado num espaço cénico dominado pela escuridão, é
subitamente exposto à luz, ocupando um lugar à frente do palco. O carácter
simbólico da sua presença é posto em evidência através dos seguintes aspectos:
· Manuel, enquanto símbolo do povo oprimido,
traduz a estagnação de um país, a impossibilidade de mudança, pela repressão
imposta pelo Poder, através da sua pergunta absurda, do gesto de impotência e
dos trajes andrajosos que veste;
· A escuridão que rodeia a personagem sugere
o abismo que a engole, enquanto representação da miséria, da ignorância e da
opressão;
· A nível da movimentação, a impossibilidade
de continuar, por parte da personagem («detém-se»),
indicia a perda irremediável do general Gomes Freire e, em consequência, a perda
da esperança.
Espaço físico
- Lisboa surge como um macroespaço, onde se
inscrevem espaços de dimensão mais reduzida:
· Ruas – local onde os populares mendigam e
comentam os acontecimentos, embora sempre intimidados pela presença da polícia
· Rossio – sede da Regência
· Rato – casa do general
· Sé – local onde Manuel costuma pedir
esmola
· Campo de Sant’Ana – local das execuções
(posteriormente será designado por Campo
dos Mártires da Pátria)
· Serra de Santo António – local de onde
Matilde assiste à execução do marido
· S. Julião da Barra – local onde Gomes
Freire é preso e sentenciado
Espaço social
Classes sociais:
Povo / Poderosos
- O povo é caracterizado pela sua pobreza,
doença e miséria: o vestuário andrajoso, os sacos e caixotes que servem de
acomodações, o contínuo mendigar.
- Os poderosos, pelo contrário, surgem
representados na sua riqueza ostensiva e arrogante (guarda-roupa cuidado,
cadeiras como «tronos»).
Conflitos
políticos / sociais
- No período posterior às Invasões Francesas
e à partida da corte para o Brasil, o reino vive uma conjuntura política e
social marcada pela crise e pela luta entre um poder repressivo e a aspiração
da liberdade que conduzirá à revolução liberal:
· O Conselho de Regência, que integrava
oficiais ingleses e membros do clero, mantém uma política de tirania, repressão
e perseguição de todos os que se insurgissem contra o poder oficial.
· A atitude persecutória dos governadores é
particularmente evidente na condenação e proibição das sociedades
maçónicas e qualquer tipo de associação.
· O povo, descontente, votado à miséria e ao
silêncio, mas desejoso de liberdade, confere ao general Gomes Freire o estatuto
de herói, já que representa a única esperança de revolta contra a opressão.
Valores sociais em crise
- A impotência do povo contra o despotismo
· Manuel, o homem do povo, reflecte a sua
incapacidade para resistir ao sistema, através da interrogação que abre os dois
actos («Que posso eu fazer?», 15).
- A recusa do progresso e da cultura
· O Principal Sousa clarifica as directrizes
de um regime absolutista, em que cultura é sinónimo de poder e, por isso, deve
ser mantida inacessível às massas populares («...a
sabedoria é tão perigosa como a ignorância! (...) Sei bem como a palavra
“liberdade”, na boca dos demagogos, se torna aliciante ...»
36; «Por essas aldeias fora é cada vez
maior o número dos que só pensam aprender a ler... Dizem-me que se fala
abertamente em guilhotinas e que o povo canta pelas ruas canções subversivas.»
40).
- A corrupção, a imoralidade e a injustiça dos políticos
· D. Miguel põe em destaque a corrupção que
garante a autoridade do Poder («A
questão que temos de resolver (...) Consiste apenas em chegarmos a acordo
acerca da pessoa que mais nos convém que tenha sido o chefe a conjura.» 61),
deixando também evidente que são os caprichos pessoais que motivam a actuação
política, ao serviço de interesses que se sobrepõem à verdade e à justiça («Para o público não compreender o que se
passa, o julgamento será secreto, e para evitar o perdão de el-rei, a execução
seguir-se-á imediatamente à sentença.» 65).
- A ambição mesquinha e a conspiração
· Beresford mantém-se atento à defesa dos
interesses do reino («Neste país de
intrigas e de traições, só se entendem uns com os outros para destruir um
inimigo comum...» 63), mas apenas por interesses materiais, não
escondendo o seu desprezo pelo país onde trabalha, já que «reduz os presentes, a cidade e o país a uma
insignificância provinciana e total» («Pretendo uma única coisa de vós: que me pagueis – e bem!» 58)
- A traição, a conspiração generalizada
· A corrupção material e moral parece
atingir todas as classes sociais, como se depreende da traição de Vicente e de
Andrade Corvo e Morais Sarmento («Se
eu souber render o peixe, sou capaz de acabar com uma capela... ou chefe de
polícia, quem sabe?» 31; «Meu amigo: você desconhece o que se compra de
respeitabilidade com uma pensão anual de 800$00...» 47).
- A condenação dos ideais maçónicos
· O ataque à Maçonaria, que para os
governadores era sinal de agitação e revolução, surge identificado na
intervenção de D. Miguel («...aí
tendes o chefe da revolta. Notai que lhe não falta nada: é lúcido, é
inteligente, é idolatrado pelo povo, é um soldado brilhante, é grão-mestre da
Maçonaria e é, senhores, um estrangeirado...» 71) e do Principal Sousa
(«Os piores, Srs. Governantes, são os
pedreiros-livres... Ninguém mais do que eles contribui para o alastramento da
gangrena. Quem será o chefe da Maçonaria?» 67).
- Os caprichos pessoais dos poderosos contra a vontade do povo
· Os interesses de Estado não são os
interesses do povo, mas das classes privilegiadas («Pergunto-vos, senhores: que crédito, que honras, que posições seriam as
nossas, se ao povo fosse dado a escolher os seus chefes?» 69),
movidas pelas vinganças pessoais e pela ambição («Se eu fosse a falar do ódio que lhe tenho...»; «Agora me lembro de que há
anos, em campo d’ Ourique, Gomes Freire prejudicou muito a meu irmão Rodrigo!» 72).
· Matilde, a voz da indignação e do
inconformismo, expõe de forma clara a podridão de uma sociedade corrupta e
mesquinha («Ensina-se-lhes que sejam
valentes, para um dia virem a ser julgados por covardes...»; «Não seria mais
humano, mais honesto, ensiná-los, de pequeninos, a viverem em paz com a
hipocrisia do mundo?» 83;«...rodeada de inimigos numa terra hostil a tudo o que
é grande, numa onde só cortam as árvores para que não façam sombra aos
arbustos...» 85).
Espaço
psicológico
- As recordações de Matilde de uma
felicidade passada ao lado de Gomes Freire remetem para o carácter redentor e
purificador do amor, em contraste com a violência e a hipocrisia da sociedade
(90-92).
TEMPO
Tempo histórico
- Século XIX – período posterior às Invasões
Francesas, que antecede as primeiras manifestações de revolta popular, que
conduzirá à Revolução Liberal.
- Século XX – regime ditatorial do Estado
Novo, representado por Oliveira Salazar.
Tempo dramático
- 0s acontecimentos dramáticos remetem para
a referência a factos ocorridos alguns anos antes:
· Manuel relembra as Invasões Francesas e a
presença dos ingleses no governo (16)
· Vicente recorda a partida do rei para o
Brasil (27)
· O antigo Soldado refere as batalhas
ocorridas há dez anos (18)
· Matilde recorda a sua vida com o general e
as batalhas em que participou pela Europa (90)
- As referências temporais situam em dois
dias os acontecimentos mais dramáticos da obra, embora historicamente tudo se
tenha passado em cinco meses (Maio/Outubro). A redução temporal traduz
simbolicamente a parcialidade da justiça da época, que condena sem provas, e
contribui para a intensidade trágica da morte do general.
- O Acto I tem início de madrugada e
prolonga-se por dois dias:
· «Eram quase cinco horas...» (17)
· «Há dois dias...» (50)
· «Há dois dias que quase não durmo...» (68)
- O Acto II começa na manhã do dia em que
prenderam Gomes Freire e prolonga-se por seis dias:
· «Passaram toda a noite a prender gente...»
(80)
· «Vem aí a madrugada...» (108)
· «Ah! Senhora, se o general estivesse esta
noite aqui... » (108)
· «Amanhã, quando começarem a agradecer a
Deus a prisão do general...» (109)
· «Depois de amanhã, senhora...» (109)
· «Esta madrugada prenderam Gomes Freire...»
(79)
· «Desde aquela noite que só penso em si.»
(104)
· «Só ao fim de seis dias lhe abonaram
dinheiro para comer...» (111)
· «Há quatro dias que me não deito...» (130)
· «...hoje, 18 de Outubro de 1817.» (129)
No Acto I, os acontecimentos precipitam-se
até à prisão do general, embora no Acto II o tempo flua lentamente, o que
intensifica o dramático sofrimento de Matilde, que
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